da Redação

Autor do projeto que virou lei e instituiu a “Semana Nacional da Agricultura Familiar”, o deputado federal Heitor Schuch, do PSB do Rio Grande do Sul, é o primeiro entrevistado de CONAFER ENTREVISTA

Heitor Schuch está em seu 2º mandato na Câmara dos Deputados. O deputado é o atual coordenador da Frente Parlamentar Mista da Agricultura Familiar, e conversou com a CONAFER sobre os desafios da agricultura familiar brasileira, a sua atuação parlamentar e as principais demandas deste segmento econômico tão importante.

A repórter Ramênia Vieira na entrevista por vídeo com o deputado Heitor Schuch. Foto: CONAFER

SECOM: Deputado Heitor Schuch, qual a importância de uma Frente da Agricultura Familiar, e como ela atua no Congresso?

Dep. Heitor Schuch: Gostaria primeiramente de agradecer a oportunidade e saudar a todos e dizer da alegria de poder partilhar desse espaço tão importante e significativo. Na verdade nossa Frente Parlamentar da Agricultura Familiar, como tantas outras frentes que existem dentro do parlamento, é o espaço que a gente pode se organizar e se reunir sem as formalidades da Casa. Sem requerimento, sem reserva de pauta, sem ter que aprovar as questões regimentais. 

Quando tem uma demanda extraordinária é muito mais fácil a gente ir pela Frente Parlamentar para ter uma solução, do que pela Comissão da Agricultura que tem que ter convocação, ordem do dia, tem que ter maioria para aprovar requerimentos. As formalidades acabam atrasando e trancando muitas vezes as pautas. Então, a nossa Frente Parlamentar vive, convive, basicamente com os temas que vem do movimento sindical, do movimento cooperativista, das associações dos agricultores e do setor primário. E o Brasil é muito grande, o que para nós no Sul do Brasil é agricultura familiar, no Norte a gente chama de extrativismo que no fundo no fundo é a mesma coisa, mas são questões diferentes. 
Agricultura familiar é muito forte e muito diversificada, por exemplo no Rio Grande do Sul, que é o meu Estado, a gente fala muito em agroindústria. Agora se eu for falar em Minas Gerais, a gente já vai falar do outro viés, se for olhar a agricultura familiar do Nordeste ela já tem uma outra conotação. Nós precisamos compreender, e isso felizmente a nossa frente parlamentar tem conseguido avançar em temas de assistência técnica, de extensão rural, de pesquisa de crédito, compreendendo as diferenças e fazendo, muitas vezes, ponderações na legislação. Porque a questão do endividamento não é uma coisa geral, mas ela é local, por causa do problema de Brumadinho, da seca no Rio Grande do Sul, do ciclone- bomba, em Santa Catarina, da seca no Nordeste e assim por diante.
Por isso, acho que a nossa frente tem essa missão, de ser o fermento de todo o setor e fazer com que as demandas venham, cresçam em debates e possam ser resolvidas. Felizmente, eu diria que o resultado é extremamente positivo nesse período em que a Frente foi criada ainda na década de 90 pelos ex-deputados padre Roque Zimmermann e Ezidio Pinheiro, e depois outros deram continuidade. E nós agora estamos trabalhando isso dentro do parlamento com um grupo de deputados que compreende muito bem a importância da agricultura familiar, do desenvolvimento rural, do empreendedorismo, da produção de alimentos, que é a essência desse nosso setor.

Foto: PSB

“Mesmo com as adversidades e dificuldades, mas podem ter certeza de uma coisa, se em 2050 o mundo tiver 10 bilhões de pessoas, essas só vão se alimentar se a agricultura familiar estiver em condições de produzir”

Dep. Heitor Schuch


SECOM: Quais são e como se definem as pautas da agricultura familiar?

Dep. Heitor Schuch: O nosso mandato, como dos colegas deputados que são dessa linha da agricultura familiar, tem o Vilson de Minas, tem o colega Veras de Pernambuco, Faleiro, do Pará e outros deputados que fazem parte da coordenação da Frente, acabam abraçando todas as pautas que aparecem. 
Uma hora o tema é a produção de leite e a importação, ou os custos de produção. Outra hora a pauta é a agroindústria, as feiras que são suspensas e o pessoal não consegue vender o salame, o queijo, o seu produto agrícola por causa da pandemia.
Outra hora o tema é Previdência Social, das pessoas do meio rural que também têm direito a uma aposentadoria, mas aí o INSS inventa uma fila única, as coisas não andam, os processos ficam parados um ano, aí acumula o benefício e a Receita Federal desconta o imposto de renda de quem ganha um salário mínimo. As pautas são as demandas do setor, encaminhamos umas no Ministério da Agricultura, outras para outros órgãos. Isso que eu ainda não falei da questão do Crédito Rural, do Seguro Rural, temas frequentes do setor. Como o Plano Safra que todo ano tem mudanças, todo ano a gente tem que estar muito atentos a tudo isso, porque uma coisa é Crédito Rural de custeio, e outra é para investimento, e diz respeito a atender as demandas mais específicas de cada região. 
E dentro desse cenário tem muitas coisas ligadas também ao cooperativismo, à organização, armazenagem, infraestrutura, eletrificação, telefonia e internet. Que são ferramentas muito importantes para esse nosso público poder permanecer no campo, e também poder se comunicar com o mundo. Saber a cotação dos preços, dos insumos. Qual é o melhor momento de vender, de comprar. Qual é a previsão do tempo. Sem isso o agricultor não consegue trabalhar.

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SECOM: Em seu período de mandato, quais avanços considera os maiores importantes para os pequenos produtores?

Dep. Heitor Schuch: A maior vitória que nós tivemos na agricultura familiar nesses 5, 6 anos para cá, porque nós tivemos dois projetos de reforma da previdência, para o trabalhador rural, para agricultura familiar e sua família, lá em 2017 no governo Michel Temer, e agora no governo Bolsonaro também, nós conseguimos arregimentando nossas forças com todos os parlamentares, com as forças vivas, com quem entende da agricultura familiar, do desenvolvimento rural, do turismo rural. Enfim, todos nós que estamos nesse segmento mostramos para o governo de que esse era um setor intocável e o homem que trabalha na agricultura, que não tem férias, não tem salário fixo, ele precisa ter a garantia de que ao chegar aos 60 anos terá uma aposentadoria, e a sua mulher aos 55. 
Isso é o mínimo dos mínimos, até porque nós estamos falando de salário mínimo para esse pessoal que levanta cedo, que pisa no frio da geada, que está exposto ao sol, que lida com animais e portanto também tem que ter todo o cuidado em questões de saúde, de doenças e outras coisas mais. Que esse pessoal teria que continuar se aposentando – diferente do que era a proposta do governo de aposentadoria dessas mulheres aos 65 anos – então eu particularmente acho que a maior vitória que nós tivermos agora neste mandato foi tirar os rurais da reforma, assim como foi em 2017 também. 
Se mexeu e muitas coisas para o público urbano para o trabalhador assalariado, as contribuições das empresas, mas os rurais ficaram de fora disso graças a essa grande mobilização que se fez e que deu o resultado muito bom e muito significativo. Aliás às vezes eu vou nos municípios e o pessoal diz assim: “Ah, o deputado tal trouxe uma emenda aqui do município de R$ 100.000”. R$ 100.000 é uma aposentadoria de um aposentado durante 10 anos. 
Então, essa emenda de R$ 100.000 do deputado é importante? Claro que é. Mas uma aposentadoria de uma senhora, de um senhor lá no município (de salário mínimo) em dez anos vai movimentar muito mais a economia. Vai gerar renda local, vai fazer com que aquela família tenha a condição de comprar o seu remédio, pagar energia elétrica, pagar o celular, que ela precisa para se comunicar com os filhos e com todo mundo, e que isso com certeza sobre o aspecto social tem o reflexo muito maior.


“A gente muitas vezes faz o serviço de bombeiro, apareceu a demanda, apareceu o problema a gente tem que acionar o pessoal e ir atrás do governo, fazer uma resolução ou portaria, uma ordem de serviço etc”

Dep. Heitor Schuch


SECOM: Qual a principal dificuldade, dentro do parlamento, para a implementação de leis que favoreçam o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil?

Dep. Heitor Schuch: A gente, na verdade, na agricultura familiar nunca sabe quando é a próxima enchente, quando é a próxima seca. No Sul do Brasil agora tem essa expectativa será que os gafanhotos virão para o Brasil? Não virão? Porque que se vierem vai ser um estrago a mais. Então tem as intempéries do clima, tudo isso na verdade a gente tem dificuldade de organização, de planejamento. “Ah, nós vamos fazer isto, depois aquilo”. 
A gente muitas vezes faz o serviço de bombeiro, apareceu a demanda, apareceu o problema a gente tem que acionar o pessoal e ir atrás do governo, fazer uma resolução ou portaria, uma ordem de serviço etc. Porque se a gente quiser fazer projeto de lei passar pelos trâmites da casa nós vamos chegar depois que o assunto já vai estar resolvido de outras formas. Então, talvez até em termos de legislação nós estamos bem. Temos a lei, nós temos o regramento, mas por exemplo, Plano de Safra tem todo ano, então todo ano a gente precisa sentar com o pessoal. 

Afinal, onde é que a gente vai precisar de mais recurso. Tem problema no Seguro Rural, bom então como é que a gente faz que a subvenção do governo seja maior para o agricultor não ter que pagar tanto. Então, eu não acho que essa é uma questão da gente resolver por lei, essa é uma questão que a cada tema a cada episódio climático ou econômico, a Frente precisa estar presente, os deputados trabalhando assunto. 
Às vezes o tema que interessa para o Nordeste não tem nada a ver com o pessoal do Sul ou do Centro-Oeste. Mas a gente tem que trabalhar sempre de forma coletiva e cooperada porque nós na verdade somos os responsáveis por esse setor no país inteiro e isso por um lado a gente consegue fazer muito bem e tem servido de um grande aprendizado.

Por isso, a gente pode dizer também que graças a ONU e a FAO que estabeleceram a década de Agricultura Familiar no mundo, muitos que não estavam olhando para esse segmento hoje, olham com mais atenção, com mais carinho. Saber “bom, se a ONU está dedicando uma década para agricultura familiar, para empoderar as mulheres, os jovens, a se inserirem no processo, a tomarem parte das políticas. Ah, com certeza é um setor importante que põe o alimento na mesa do povo brasileiro e gera muita riqueza e desenvolve as comunidades locais.”

Foto: Blog Dep. Heitor Schuch

“O agricultor hoje não pode ser apenas agricultor, ele é um pouco veterinário, um pouco técnico agrícola, um pouco de agrônomo, um pouco de metrologista, um pouco de economista, ele é de tudo para poder atender a sua propriedade

Dep. Heitor Schuch

SECOM: Qual a sua mensagem aos agricultores familiares?

Dep. Heitor Schuch:
Muito obrigado, primeiro pelo espaço, pela oportunidade. Dizer que nós agricultores somos uma categoria diferente de muitas outras, nós não temos garantias que outros setores têm. Nós dependemos do clima, do tempo, do plano econômico, da política pública, da vontade do consumidor de comprar os nossos produtos, de valorizar nosso trabalho, mas talvez a gente possa dizer que talvez tenhamos a profissão mais bonita de todas. 
Porque toda pessoa, seja médico, doutor, professor, advogado, a gente talvez precise uma vez na vida, mas eles precisam da gente todo santo dia, para poder se alimentar com produtos bons de qualidade. Essa talvez seja a parte mais importante do processo. Ser agricultor não é tarefa fácil, porque são muitas dificuldades para serem vencidas. O agricultor hoje não pode ser apenas agricultor, ele é um pouco veterinário, um pouco técnico agrícola, um pouco de agrônomo, um pouco de metrologista, um pouco de economista, ele é de tudo para poder atender a sua propriedade e poder fazer essa gestão no sentido de que ela funcione, que ela gere receita para sobreviver e manter a sua família.
Então os meus votos é de que o pessoal mantenha-se muito firme, com muita coragem, com muita dedicação. Mesmo com as adversidades e dificuldades, mas podem ter certeza de uma coisa, se em 2050 o mundo tiver 10 bilhões de pessoas, essas só vão se alimentar se a agricultura familiar estiver em condições de produzir.

Capa: Blog Dep. Heitor Schuch